Partidária do impeachment, a senadora Simone Tebet (PMDB-MS) avalia que Dilma Rousseff poderia ter produzido um desfecho diferente para o seu mandato. “Se ela tivesse renunciado lá atrás, levaria a uma comoção da sociedade, pedindo que o vice renunciasse também, para que houvesse nova eleição. Essa seria uma saída que talvez atendesse melhor aos anseios das ruas.” Ao prolongar a própria agonia, a presidente petista deixou os congressistas sem alternativa, disse a senadora em entrevista ao blog. “A gestão da Dilma levou o país à tempestade perfeita e, em consequência, ao impeachment.”
O PMDB foi sócio do governo do PT, recordou o repórter à senadora. A Lava Jato exibe a cumplicidade das duas legendas. Sendo peemedebista, não sente incômodo? Simone Tebet respondeu assim: Não. Até porque, se houver a comprovação de qualquer coisa contra o Temer no futuro, ele também pode passar pelo mesmo processo”. Vai abaixo a entrevista da senadora:
— Durante todo o processo, Dilma e seus partidários martelaram a tese de que o impeachment, tal como foi conduzido, é um golpe. Como a senhora espera ser tratada pela história? Não tenho medo do que os livros de história vão contar. Até porque essa história vai ser escrita por todos nós: os professores nas salas de aula, os jornalistas nos meios de comunicação, os historiadores nos livros. Vai ser escrita também pelos milhões de desempregados e por aqueles que se sentem lesados pela corrupção desenfreada que se estabeleceu no Brasil. Eu me insurjo contra a expressão golpe de Estado, não necessariamente contra a palavra golpe. Golpe qualquer um pode dizer, porque é um discurso político. Golpe de Estado é um termo jurídico, significa uma ruptura inconstitucional. Isso não houve. O impeachment está na Constituição. Preservados os pressupostos jurídicos preliminares, a decisão é política. Tanto que não cabe recurso ao Supremo. Os livros vão deixar tudo muito claro.
— Está convencida de que o uso de recursos de bancos públicos para bancar despesas do Tesouro —as chamadas pedaladas fiscais— e a liberação de créditos suplementares sem autorização do Congresso justificam o impeachment? Não havendo golpe de Estado, o julgamento depende do posicionamento ideológico e pessoal de cada um. A questão é enxergar se havia ou não a gravidade dos fatos a ponto de levar o impeachment adiante. Entendo que não basta analisar os fatos isoladamente. Para acontecer o impeachment, numa democracia moderna, é preciso que haja uma tempestade perfeita. A gestão da Dilma levou o país à tempestade perfeita e, em consequência, ao impeachment. Está caracterizado o crime de responsabilidade. Muitos dizem que parece pouco. Eu poderia até absolvê-la, desde que não estivesse num país que vive a sua maior crise política, econômica e social por uma série de questões relacionadas à gestão dessa presidente. Então, os fatos mencionados no processo existiram. Analiso esses fatos. Mas não tenho como me basear apenas neles. Tenho que analisar todo o contexto para decidir se absolvo ou não. É um julgamento político.
— O que a senhora está dizendo é que pesa no julgamento o chamado conjunto da obra? Exatamente. Se você tivesse crime de responsabilidade com uma economia forte, com apoio popular e do Congresso, sem uma gestão fiscal e econômica errática, você poderia até absolver a presidente, mesmo diante do cometimento desses crimes de responsabilidade de que ela é acusada agora. Esse é um julgamento político.
— Nas manifestações de rua havia o ‘fora Dilma’, mas não se viu o ‘fica Temer’. O PMDB, foi sócio do governo do PT. A Lava Jato deixa claro que o PMDB foi também cúmplice. Sendo a senhora do PMDB, isso não lhe causa incômodo? Não. Até porque, se houver a comprovação de qualquer coisa contra o Temer no futuro, ele também pode passar pelo mesmo processo. Assim é a democracia. Eu não tenho outra saída legal. A única saída legal é a que estamos adotando. A carta da presidente Dilma chegou com quase dois anos de atraso. Se ela tivesse renunciado lá atrás, levaria a uma comoção da sociedade, pedindo que o vice renunciasse também, para que houvesse nova eleição. Essa seria uma saída que talvez atendesse melhor aos anseios das ruas. Não aconteceu. A presidente levou o problema até o último minuto do segundo tempo. Falar agora em plebiscito, que é inconstitucional, nos faz ficar sem saída. Não tenho nenhum incômodo com essa situação. Todos os partidos estão sujeitos a ter bons e maus políticos. Não é só o PT ou o PMDB. Tem outras siglas que estão sendo investigadas. Uma vez comprovado, todos têm que ser julgados pelos seus crimes. Mesmo o presidente —o atual e os futuros.
— No Brasil pós-redemocratização, tivemos quatro presidentes eleitos: Fernando Collor, Fernando Henrique, Lula e Dilma. Dois foram abalroados pelo impeachment. A taxa de mortalidade é de 50%. Isso é sinal de vitalidade ou de precariedade da nossa democracia? Isoladamente, isso é neutro. O que acho mais grave é que não temos condições de eleger um presidente da República com estabilidade para governar se não mudarmos pelo menos um item da nossa legislação eleitoral: a cláusula de barreira. Ninguém vai governar numa democracia forte e consolidada como a nossa com quase 40 partidos constituídos. Com essa profusão de partidos, você entra no presidencialismo de coalizão. Um presidente, por mais que tenha votação extraordinária, ainda que saia das urnas com 80% dos votos, ele não vai fazer maioria no Legislativo. Para obter a maioria, ele começa a fazer concessões de ministérios, cargos. Aí você já começa um governo Frankstein, sem coesão. O presidente não tem liberdade para escolher nem aqueles que serão os seus gerentes. Muitos falam de reforma política. Acho que se avançássemos só nisso, a clausula de barreira, capaz de reduzir o número de partidos, teríamos um presidencialismo mais forte, menos sujeito a intempéries.
— Acha que o PMDB se beneficiará politicamente do processo de impeachment? Não creio. O presidente Temer terá de implantar um conjunto de reformas que não são populares, mas necessárias. Creio que ele conseguirá fazer isso, porque não tem a intenção de ser candidato a presidente da República. Vai querer sair como o Itamar Franco saiu. E o Itamar só foi reconhecido bem depois. Também no caso do presidente Temer, só a médio prazo virá o reconhecimento de que o remédio foi amargo, mas o esforço era necessário. Se tudo der certo, começaremos a colher os frutos daqui a quatro ou seis anos. Portanto, é uma vantagem termos um vice-presidente que não tem a intenção de ser presidente da República novamente. Ele pode fazer mais livremente o dever de casa.
— O que imagina que ocorrerá no país com a efetivação de Michel Temer? Hoje, o sucesso do país depende muito mais do Congresso do que do governo Temer. O Temer já colocou suas cartas na mesa. Já sabemos o que podemos esperar, o que pensa a equipe econômica. Cabe ao Congresso, sem deixar de fazer os embates necessários, deliberar sobre aquilo que é relevante para tirar o país rapidamente dessa crise. É preciso ter bom senso.
— Haverá bom senso depois do julgamento final do impeachment? A preocupação com o day after é crucial. O dia seguinte é o grande ponto de interrogação. O sucesso das medidas econômicas a serem implantadas pelo governo Temer dependem muito mais de nós, do Congresso, do que da equipe econômica. Essa equipe é, indiscutivelmente, o dream team brasileiro. É um time de ouro. Ninguém discute a competência, a capacidade e a racionalidade dessa equipe. A questão é saber se o Congresso Nacional, na sua diversidade, vai deixar de lado as querelas partidárias e pessoais para se concentrar no essencial. É preciso saber se cada um vai dar sua parcela de contribuição ou se o Congresso vai continuar sendo fisiológico, partidarizado e voltado para interesses regionais, às vezes até pessoais. É preciso decidir se vamos colocar os interesses da sociedade em primeiro plano.
— Não acha que a fisiologia e os interesses pessoais já prevaleceram no Congresso? Sim. Mas a minha questão é se vai continuar assim. O governo Temer é frágil hoje por ser um governo de fato, mas não de direito. O impeachment não se encerrou. Consequentemente, ele é um presidente interino.
— Não lhe parece que as relações fisiológicas entre Legislativo e Executivo tendem a permanecer inalteradas? Sem a reforma política, essa relação persiste. A pergunta que faço é se nesse momento de crise, diante de projetos importantes para serem votados, se esses projetos serão tratados de forma diferente pelo Congresso. Falo de projetos como o teto que impõe limite para os gastos públicos e a reforma da Previdência. Sem prejuízo da ampla discursão que os temas devem merecer, esses projetos precisam ser tratados pelo Congresso de outra forma. As eleições de outubro serão decisivas. O recado das urnas vai apontar o novo posicionamento do Congresso. Creio que as urnas vão ser decisivas.
— Acha que medidas como o teto dos gastos e a reforma da Previdência serão aprovadas? Acredito que sim. A reforma previdenciária será mais polêmica. E tem que ser. Mexe com o futuro de todos nós. Tem que ter um amplo debate. Mas terá que ser aprovada. Qualquer que fosse o governo, Dilma ou Temer, teríamos que avançar nessa questão. O segredo está na forma como vamos explicar esse assunto para a sociedade. Temos que alcançar o equilíbrio, sem exigir demais de quem já está com expectativa de direito, mas cada um pensando nas futuras gerações, que são os nossos filhos. Precisamos privilegiar as regras gerais, não as exceções. Essa reforma previdenciária é tão urgente quanto a reforma política.
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