A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, é a primeira a falar com Virgínia de Ângelis sobre o Brasil do futuro; planejamento de longo prazo do país será apresentado em julho de 2025
O governo brasileiro está construindo o planejamento de longo prazo para o país, a Estratégia Brasil 2050. O processo, coordenado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO, envolverá todos os ministérios e órgãos de governo, os entes subnacionais e representantes da sociedade civil, e terá como eixos estruturantes a transição demográfica e a mudança climática. O resultado do trabalho deverá ser apresentado em julho de 2025.
Para subsidiar essa construção, a secretária Nacional de Planejamento, Virgínia de Ângelis, deu início a uma rodada de entrevistas com os ministros. O objetivo é coletar a visão deles sobre quais são os desafios atuais do país, como enfrentá-los e como trilhar o caminho para o Brasil do futuro. As respostas ajudarão a compor a Estratégia.
A primeira conversa, com a ministra Simone Tebet, aconteceu na quinta-feira (21/11). Veja abaixo os principais trechos.
Virgínia de Ângelis: Considerando os últimos 25 anos, como a senhora avalia as transformações ocorridas no Brasil? Quais os principais marcos que contribuíram para a transformação do país?
Simone Tebet: O grande avanço do Brasil, sem dúvida nenhuma, foi a diminuição da desigualdade social, da miséria e da pobreza. O ponto de partida foi a estabilidade da moeda brasileira. O Plano Real deu a estabilidade e o equilíbrio necessários para baixarmos a inflação. A partir daí, uma série de legislações, ainda na área da responsabilidade fiscal, foi responsável para dar suporte para que a moeda persistisse.
Não podemos esquecer também das grandes reformas, mas a principal está por vir. É a Reforma Tributária, já aprovada, mas ainda não em vigência, porque terá efeito a partir de 2026 e quando os Estados forem incluídos, a partir de 2028.
Quais são os principais problemas ou fragilidades que a senhoria destacaria para o Brasil hoje, que dificultam o avanço do nosso desenvolvimento?
Eu ficaria só com um, que é a mãe de todos os problemas: a falta de investimento eficiente na educação brasileira. Não faltam recursos, mas se injetou dinheiro demais de forma errada, e com isso a gente gera perda de produtividade. Esse é o grande gargalo, é isso que vai sempre nos puxar para trás. Isso interfere no crescimento do PIB, porque estamos sempre atrasados no quesito produtividade.
Quais são os grandes ativos estratégicos do país, aqueles que nos trazem uma vantagem competitiva frente aos demais países?
Terra e floresta. A terra produz e alimenta o Brasil. A gente consegue colocar comida mais barata na mesa e alimentar também o mundo, e isso interfere em nossa balança comercial, traz dólares, impacta nossas reservas. Avançamos muito [nessa área] graças a políticas públicas também, como o Plano Safra, a Agricultura Familiar. A Embrapa é uma referência mundial. Conseguimos produzir mais com a mesma área de terra plantada. E as nossas florestas, nossos biomas e mananciais de água doce. O que traz uma responsabilidade em relação à própria preservação desses biomas.A secretária Virgínia de Ângelis e a ministra Simone Tebet conversam sobre a Estratégia Brasil 2050
Pensando no nosso contexto interno, o que a senhora enxerga como certo ou quase certo de acontecer que teria impacto relevante na construção do país que a gente deseja até 2050?
Eu vou puxar um pouco para o nosso Ministério, no que se refere à integração regional. Estamos muito próximos, depois de 30 anos de apenas sonho ou utopia, de ter uma integração regional da América do Sul saindo do papel. Ela não vai estar pronta em definitivo nos próximos dois ou três anos, mas estará bem avançada nos próximos cinco anos. Estou falando de uma integração da América do Sul que envolve não só infraestrutura e logística. Esse é o meio para se alcançar o fim, que é a diminuição da desigualdade social dos países mais pobres da região. Estamos falando de integração cultural e turística, de balança comercial, comércio exterior, geração de empregos, renda. Esse intercâmbio comercial vai se tornar mais presente porque as obras de infraestrutura necessárias – às vezes uma ponte que faltava, uma rodovia que às vezes precisava de 30, 40 quilômetros – já estão todas no PAC e estão acontecendo. Nós teremos, no caso do Brasil, várias saídas para o Pacífico para alcançar o mercado asiático, que hoje é o principal mercado consumidor dos nossos produtos.
E quais são as incertezas?
Eu colocaria a questão ambiental. Dela depende o nosso futuro em todos os aspectos, inclusive quanto à segurança alimentar. Eu também tenho incerteza se teremos condições de enfrentar essa questão de garantir qualidade do gasto público na área da educação, da saúde e das políticas sociais. Esse é um desafio que todos os governos tiveram, este governo não é diferente. O Brasil está começando a entender a importância da ciência, tecnologia e inovação. Nós estamos muito atrasados, mas tenho visto que o mundo quer fazer parceria com o Brasil e o Brasil está procurando fazer parceria com o que há de melhor no mundo. Ainda estamos engatinhando, mas diante do caos que nós estamos no atraso nessa questão, qualquer coisa que vier mais rápido e ela vem, vão ser saldos positivos.
Gostaríamos que a senhora descrevesse como a senhora gostaria que o Brasil estivesse em 2050
Um país democrático com inclusão social e ambientalmente protegido.
Quais os 5 desafios que a senhora destacaria que precisamos enfrentar para alcançar essa visão de futuro?
Enfrentar o radicalismo, o discurso de ódio e o negacionismo para que a gente volte pelo menos ao país que era, unificado, para que a gente possa a partir daí reconstruir ou construir novos pilares. O segundo é termos, pela primeira vez na história, investimentos certos para garantir educação de qualidade. O terceiro desafio é o demográfico e está vindo mais cedo que imaginávamos. A população está envelhecendo mais cedo. Onde e de que forma investir na saúde para colocarmos o dinheiro no lugar certo? A população mais envelhecida precisa de uma economia de cuidado, precisa proteger os seus idosos, os seus aposentados. [Também] é um desafio provar que é possível ter um agronegócio produzindo com sustentabilidade e [mostrar] para os ambientalistas que nós temos uma parte do agronegócio que respeita o meio ambiente. Esse diálogo, esse encontro de forças, precisa acontecer. A geração mais nova do agronegócio já tem um cuidado maior com a sustentabilidade e [isso] precisa ser reconhecido pelos ambientalistas. Ao mesmo tempo, os ambientalistas têm razão [quando dizem] que nós temos muitos grileiros, muitos invasores de terras. Uma parte do agronegócio, ainda que pequena, que não respeita os mananciais, as águas doces, as florestas, que procura comer pelas beiradas, que vai entrando nas bordas, especialmente da floresta amazônica, mas também no cerrado.
Como a senhora sintetizaria em uma frase o Brasil que a senhora deseja em 2050?
O mesmo que eu desejo para o Brasil de 2024 a 2027. A visão de futuro do PPA [o Plano Plurianual 2024-2027] é uma visão de futuro de longo prazo.O PPA foi a bússola que a gente tinha, um grande referencial, e a Estratégia 2050 vai ser um farol para iluminar os nossos caminhos nos próximos 25 anos. Esse farol ilumina tanto a curto prazo quanto a médio e a longo, depende da forma como eu direciono o holofote. A Estratégia vai nos permitir saber que Brasil queremos ter e como estaremos em 2030, 2040 e 2050 porque vai colocar luz sobre os problemas e montar, com a participação de todos, um planejamento estratégico de longo prazo, ouvindo todos os setores e a partir daí fiscalizando e cobrando resultados ao longo do caminho.
Fonte: MPO