“O MDB envelheceu. E envelheceu mal”, diz Simone Tebet

Primeira mulher a presidir a poderosa Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), a senadora Simone Tebet foi peça fundamental na derrota do colega Renan Calheiros à presidência do Senado ao assumir publicamente o apoio ao atual presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e defender o voto aberto.

Filha do senador Ramez Tebet, morto em 2006, presidente do Senado de 2001 a 2003, após a queda de Jader Barbalho, Simone traz a política em seu DNA. Herdou do pai também o partido, o MDB, a quem tece duras críticas. “O MDB envelheceu. E envelheceu mal”, dispara.

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Aos 49 anos recém-completados, Simone diz que o governo não pode errar e que o presidente Jair Bolsonaro não tem capital político para encarar turbulências por mais quatro anos.

Senadora Simone Tebet

Em entrevista exclusiva a Os Divergentes, Simone Tebet fala ainda sobre o protagonismo do Judiciário, reforma da previdência e projeto anticrime apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. (Esses dois últimos pontos em vídeo).

 

Os Divergentes – Como ficou o MDB depois da eleição para a presidência do Senado, o partido ainda está dividido? O MDB vai conseguir juntar os cacos?

Simone Tebet – Se nós analisarmos o MDB como um todo e não apenas o MDB do Senado ou do Congresso, o MDB nacional, vai perceber que ele já vem dividido há muito tempo. Infelizmente não é uma divisão saudável. É uma divisão entre a cúpula do MDB e o que pensam os quase dois milhões de filiados, e os dirigentes estaduais e regionais. Foi se criando um fosso muito grande a ponto de a cúpula não entender o que estava acontecendo com a militância do MDB. O MDB envelheceu e envelheceu mal. Envelheceu da pior forma que um partido pode envelhecer, sem escutar a si mesmo. Todo mundo acha que um partido é quem manda nele. Não. Um partido é quem coloca os dirigentes nos espaços. E eu venho um pouco disso porque eu sempre visitei o interior, sempre tive nas executivas, converso com os filiados. Trabalho relativamente bem com as redes sociais, que hoje é um canal por onde os nossos filiados também conversam conosco. Eu sempre tive atenta a esse anseio. Aí acumulou o que pensa o partido, no sentido de não querer mais aquele partido que por 15 anos, foi um partido sempre de governo por ser governo. Não fez nenhuma analise mais autocrítica se tem ou não quer ser governo por um programa ideológico, um programa de partido que tenha identidade com esse governo.

Então nós fomos governo Fernando Henrique, fomos governo Lula, fomos governo Dilma e fomos governo Temer. São governos opostos, mas assim mesmo estivemos lá. Sem nunca lançar candidatura própria ou fazer um papel de uma oposição ou uma independência a favor do país. Esse foi o principal erro do partido: não ouvir e sempre a cúpula querer se servir do governo. Deu no que deu. Nós éramos a maior bancada com folga, tanto no Senado quanto na Câmara. Hoje somos a maior bancada sem folga dentro do Senado Federal. Teremos dificuldades daqui a dois anos de termos prefeitos que queiram escolher a legenda do MDB para colocar o seu nome. Porque ainda teimamos em insistir na insensatez de não ouvir as ruas.

Os Divergentes – Qual a saída? Isso vai repercutir na eleição para o comando do partido?

Simone Tebet – Acima de tudo nós temos que ter humildade de mudar a Executiva Nacional. Outras caras. A juventude tem que fazer parte. O MDB Trabalhista, o MDB Mulher. Buscar os talentos que nós temos dentro do MDB, como tem em qualquer partido político. E dar voz e vez a essas pessoas. Buscar até nas executivas estaduais quem já tem um pouco de experiência, quem tem condições de ascender. E fazer essa oxigenação, essa alternância de poder e essa renovação, que é o que eu preguei dentro do Senado. Falei mais de uma vez isso para o próprio Renan. Fui a única que teve coragem de dizer tudo que eu achava. Falei para a bancada quando coloquei meu nome à disposição. Coloquei que o “Fora Renan” das ruas não é o “Fora Renan”, é o “Fora MDB”. Se nós não tivermos essa consciência, daqui a pouco não é só “Fora Renan”, é fora qualquer um de nós. O que me estimula é perceber que na bancada do MDB houve um racha, o que nunca tinha acontecido. A ponto de num momento eu a ter 7 a 6 a meu favor, o que significa de que esse sentimento de que nós estamos sucumbindo e que vamos virar pó se não reagirmos, não é um sentimento só meu.

OS Divergentes – Acha que vai continuar o mesmo esquema, ou o partido vai se renovar?

Simone Tebet – A minha permanência no MBD em médio prazo, em termos de dois anos, vai depender dessa oxigenação. Não sou candidata à executiva nacional, nem a fazer parte da executiva. Não estou pregando a ruptura. Essa oxigenação é importante. Mas isso ao lado da experiência, da boa experiência, da boa política. Não estou dizendo que um governador não possa ser presidente. Estou dizendo só que o partido envelheceu e que as pessoas que sempre estiveram na cúpula agora devem auxiliar o partido de outra forma.

Os Divergentes – O governo tem menos de dois meses, mas parece que já tem dois anos. A Sra acha que teremos quatro anos de turbulências ou as coisas vão se acomodar?

Simone Tebet – O governo não se sustenta com quatro anos dessa turbulência, por várias razões. Primeiro ele não tem esses quatro anos porque ele não veio das urnas com esse capital político. A maioria que votou nele no segundo turno, votou por exclusão. Ele não veio com esses cinquenta e tantos milhões de votos como votos cravados, foi uma opção. Então, ele já veio precisando conquistar o eleitorado que não era dele, mas que votou nele dando um voto de confiança. Ele tem 15% daquelas pessoas que se identificam com toda bandeira dele. Tem uma parte do eleitorado que concorda com parte daquilo que ele pensa. Concorda com a agenda econômica e não concorda com a pauta de costumes. E outra parte que concorda com a agenda de costumes e não concorda com a agenda econômica. E ainda tem um restante da população, eu diria uns 40%, que ele vai ter que conquistar com trabalho, com ética, com foco.

Segundo, por conta das medidas realmente importantes que terá que tomar. Nós (O Congresso) teremos, e o governo terá o desgaste com a reforma da previdência. Então, ele vem sem o capital eleitoral aliado a medidas duras que ele tem que fazer diante da crise. Ele não pode errar. Nem nas grandes e nem nas pequenas coisas. A bateção de cabeça tem que ter terminado quando ele entregou ao Congresso o seu grande desafio, que é a reforma da previdência. A bateção teve um prazo. Ele esteve hospitalizado. Vinte dias num hospital você perde a noção do que ta acontecendo fora. Ainda mais um presidente que tem que tomar medidas, decisões. Pra mim, considero que o governo dele começou quando ele saiu do hospital. O que aconteceu pra trás eu posso até relevar. Embora não justifique, eu relevo. Daqui pra frente não tem como. A sociedade dificilmente vai relevar.

Os Divergentes –  O senador Fernando Bezerra, do MDB, assumiu a liderança do governo no Senado. Isso significa uma adesão do partido ao governo?

Simone Tebet – Ficou muito claro dentro da bancada, e eu também entendo dessa forma, que a escolha do líder do governo foi uma escolha pessoal do presidente. Ele tinha que escolher um, e ele escolheu um que é da inteira confiança dele. Para a bancada tá muito claro que a independência continua. Os senadores estão decididos a ajudar o país, uma independência a favor do Brasil. Mas prontos para fazerem as criticas construtivas ao governo, à reforma, ao pacote do Moro, seja o que for. Mas a figura do líder não interfere nas nossas decisões.

Os Divergentes – A pauta de costumes, defendida pelo governo e parlamentares ligados ao PSL, pode prejudicar projetos importantes como a reforma da previdência e a proposta anticrime do Moro?

Simone Tebet – Acho que o governo já percebeu que não dá para misturar. Ele já colocou duas grandes pautas para o Congresso. O Congresso tem um ano para diluir, assimilar, trabalhar e aprovar ou não duas agendas muito complexas. Uma que é da reforma da previdência, que vem junto com outras medidas econômicas e o Brasil tem pressa nesse aspecto. E a outra é a pauta de segurança pública, que envolve sistema penitenciário, segurança pública, combate a organizações criminosas e combate à corrupção. O resto tem que ter o tempo aqui. Não podemos ter pressa para discutir uma pauta de costume como a liberação do aborto, escola sem partido, entre outros.

Os Divergentes – O Supremo tem tido um protagonismo muito grande nos últimos tempos. Em 2015, durante uma audiência pública na Comissão de Relações Exteriores do Senado, o ex-ministro Nelson Jobim já alertava sobre os riscos desse protagonismo. A culpa é do Congresso?

Simone Tebet – Me tranquilizou o posicionamento do Toffoli (ministro Dias Toffoli, presidente do STF), quando veio aqui duas vezes, e no discurso ele falou: “vamos devolver a política aos poderes com voto”. Isso me tranquiliza porque o presidente do Supremo é que pauta. Mas paralelo a isso nós temos duas questões. Nós temos o papel institucional e constitucional do Supremo, que quando provocado ele tem que agir. Vou dar um exemplo, a Constituição, que já tem 30 anos, estabelece em diversos momentos que lei posterior, ordinária e complementar disciplinará sobre a questão. É o caso do direito de greve dos servidores públicos. Ficou 30 anos na Constituição e a gente não decidiu. Essa lei não vem e você tem uma norma constitucional que não tem eficácia plena, alguns casos ela nem tem eficácia porque ela ta dependendo da lei. Nesse caso especifico, qualquer intervenção do judiciário é saudável. Isso é papel do Supremo. A meu ver o que não é papel do Supremo é, mesmo provocado, querer legislar sobre qualquer assunto que não esteja expresso na Constituição. Essa ingerência, esse ativismo do judiciário, já foi maior. Mas eles sentiram um pouco na pele o que é ter que decidir numa rua dividida, onde metade pensa de um jeito e a outra metade pensa de outro, que isso é pedir pra politizar o Supremo. Eles estavam pedindo pra politizar o Supremo, que não é bom. Acho que agora eles perceberam que não é um bom negócio fazer política.

Os Divergentes – A reforma da previdência foi entregue ao Congresso na última quarta-feira, o que achou da proposta do governo?

Simone Tebet – Acho que ela teve uma boa chegada ao Congresso. Ela atingiu todos indistintamente. Pela primeira vez os privilegiados também estão dentro desse processo. O próprio servidor público está na mesma discussão do mesmo limite de idade. E teve uma boa chegada porque teve uma boa comunicação com todos. Agora, tem excessos! Nós vamos precisar discutir a diminuição da diferença de idade entre homens e mulheres de cinco para três anos; nós vamos ter que discutir a questão do beneficio de prestação continuada de se tirar aí a garantia de ganharem pelo menos um salário mínimo; nós vamos ter que discutir, nem tanto a regra de transição, mas os 40 anos de contribuição para ter direito a integralidade da aposentadoria. Se hoje são 30 anos, porque não 35? Acho que nós vamos ter que avançar em algumas coisas.

Mas só o fato de ter tido um bom dialogo e o fato de termos, isso é importante, uma reforma que atingiu a todos quebra o discurso de que uns vão ser prejudicados e outros não. Todos vão ter que dar sua parcela de contribuição. Quem ganha mais vai ter que contribuir mais, quem ganha menos vai ter que contribuir menos.

Os Divergentes – E o projeto anticrime do ministro Moro?

Simone Tebet –  O ministro da justiça separou a questão de olhar pra trás em relação ao caixa 2 e trouxe uma medida, ao meu ver embora muito polêmica, ela no grosso, pelo menos 80% dela é uma medida muito sensata. Mas também é uma medida que entra de um jeito e sai de outro. Mas ela atinge não só a corrupção, como o crime organizado e o combate ao narcotráfico e ao tráfico ilegal de armas. Dentro desse pacote, tanto a Câmara quanto o Senado, através das suas comissões, vão ter muito tempo para ouvir o próprio ministro, para ouvir em audiência pública os técnicos que entendem do assunto, o Poder Judiciário, o Ministério Público, a sociedade e dar sua resposta. Eu acredito que as duas medidas tem condições de ser aprovados nas duas casas.

Fonte: Os divergentes

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