Ana Paula Ramos
A política veio de berço para a mulher mais importante do Congresso Nacional atualmente. A senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, é filha do senador Ramez Tebet, uma das principais lideranças nacionais do então PMDB e ex-presidente do Senado, morto em 2006.
Formada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com mestrado em Direito do Estado, foi deputada estadual, prefeita de Três Lagoas (MS) e vice-governadora do estado de Mato Grosso do Sul.
No sexto ano de mandato no Senado Federal, sua atuação no comando da CCJ tem rendido elogios dos colegas senadores.
Em entrevista ao portal Yahoo Notícias, Simone Tebet falou sobre as principais dificuldades e conquistas das mulheres na política, avaliou o ambiente do Senado em relação à igualdade de gênero e comentou o episódio em que disputou com o senador Renan Calheiros (MDB-AL) a preferência do partido pela candidatura à Presidência do Senado, no início de 2019.
Os emedebistas fecharam acordo com o senador alagoano, mas ela nega categoricamente machismo. “Foi questão de grupo político”, disse.
A senadora criticou também as ofensas dirigidas às mulheres por autoridades do Executivo e do Legislativo e defendeu penas maiores nesses casos.
Na semana passada, em pronunciamento na CCJ, ela manifestou repúdio à agressão e à reação de “deboche” às ofensas dirigidas às mulheres, que seriam potencializadas por serem proferidas por autoridades.
“Quem sabe faltou tipificar a importunação verbal na Lei Maria da Penha, porque é uma violência moral, tão grave quanto qualquer outra, porque dói tanto quanto a agressão física, porque agride a alma. E é triste uma sociedade que aplaude quem agride a alma da mulher e ri da agressão”, avaliou.
Yahoo – Como foi sua entrada na política?
Simone – Por ser filha de político, desde os cinco anos de idade já tinha contato com a política. Para mim, a figura política era meu pai. Sempre fiz política de bastidores, mas não pensava em concorrer a um cargo eletivo. Como estudei em universidade pública, me tornei professora universitária, trabalhei na Assembleia Legislativa, sempre atuando na área do direito público, começaram a me enxergar como possível candidata. Foi um processo inverso ao da maioria das mulheres que lutam para entrar na política.
Yahoo – E quais são as principais dificuldades que as mulheres enfrentam quando querem ser candidatas?
Simone – Enfrentam todas as dificuldades. A luta pela cota de 30% das candidaturas para mulheres foi importante. Mas os partidos utilizavam as candidatas para preencher a cota, sem interesse em apoiar as candidaturas, sem dar condições para que elas se elegessem. Eu via no partido os homens receberem cheques de grande valor, enquanto as mulheres recebiam pouco dinheiro, o material mínimo de campanha.
Então não havia igualdade nas condições. As candidaturas femininas tinham menos tempo de TV e de rádio. A competição era desigual. Por isso o Brasil era um dos últimos colocados no ranking de representação feminina na política.
Yahoo – A legislação eleitoral atual é eficiente?
Simone – Nós tivemos dois momentos importantes nesta luta. Em primeiro lugar, a cota de 30% das candidaturas. E o segundo momento, que foi o divisor de águas, em 2018, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) estabeleceu que, se as mulheres representavam 30% do número dos candidatos, deveriam ter também 30% do tempo de propaganda e 30% do Fundo Eleitoral.
Pela primeira vez na história, as mulheres receberam as mesmas condições. Com isso, houve um aumento de 50% no número de deputadas federais, passamos de 51 para 77. A média era de 40 deputadas. Temos hoje uma bancada de 15% no Congresso.
Yahoo – Qual seria o próximo passo para melhorar essa legislação?
Simone – Ao meu ver, o mais importante agora é uma maior participação das mulheres nos postos-chaves dos partidos. Porque lá é o início de tudo. A lei prevê que a aplicação de recursos do Fundo Partidário para movimentos que estimulem e qualifiquem a participação política das mulheres. E temos que fiscalizar.
Dessa forma, a luta é interna. Devemos ocupar os cargos de decisão nos partidos, porque normalmente a distribuição dos recursos, entre outras decisões, é feita por homens.
Outra pauta que devemos começar a pensar é exigir cota mínima nas cadeiras do sistema proporcional. Ou seja, se entre os eleitos não tiver um mínimo de 20% de mulheres, o último homem daria o lugar para a próxima mulher mais votada. Essa proposta é muito difícil de ser aprovada. Mas há alguns anos ninguém imaginava que alcançaríamos as conquistas de hoje. Então podemos pensar em projetos de médio e longo prazo.
Yahoo – Existem propostas em tramitação no Senado ou na CCJ para incentivar mulheres na política?
Simone – Como é um ano eleitoral, a pauta feminina da CCJ é mais voltada para matérias que tratam da violência contra mulher. Temos um projeto que estabelece a cota de 30% dos cargos de chefia nos órgãos públicos para mulheres.
Yahoo – Como a senhora avalia as ações do governo em relação às mulheres? Há diminuição recursos em programas voltados para as mulheres, poucas mulheres no primeiro escalão, além das declarações machistas…
Simone – Não tem como dizer que a diminuição de recursos seja intencional, porque já vinha caindo por conta da crise. O mais grave é a palavra de um governo que tende a caracterizar a misoginia. O governo tem que dar o exemplo. Acho que a ministra Damares (Alves, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) tem que chamar para si essa pauta.
O que eu vejo é que são vários governos em um só. Tenho alinhamento com a política econômica e do Ministério da Justiça. Mas me espanta esse fundamentalismo ideológico e um retrocesso em políticas públicas.
Yahoo – Pode haver algum projeto para evitar esses ataques?
Simone – Já existem os crimes de injúria, calúnia e difamação no Código Penal, desde a década de 40. O que a bancada feminina e o Judiciário, na figura do Ministério Público, devem fazer é cobrar o cumprimento da lei. O que podemos propor, se ainda não houver essa qualificadora, que as penas sejam maiores se praticados por autoridades.
Yahoo – O Senado é um ambiente machista?
Simone – Os senadores têm se mostrado parceiros da bancada feminina, por unanimidade, nas pautas de combate à violência contra a mulher. Temos atualmente um Senado bastante progressista. Mas é um espaço ainda masculino.
Quando a bancada feminina avança no espaço de poder, encontra resistência. Os senadores queriam que a lei destinasse, pelo menos, 5% do tempo de propaganda partidária gratuita destinado às mulheres. Conseguimos a vitória no STF de que esse dispositivo era inconstitucional e que o tempo deveria ser proporcional às cotas. Então, existe o apoio desde que não signifique ameaça.
Eu acredito que é preciso abrir mais espaço para mulheres. O Senado é uma Casa de 200 anos, e só em 1979 teve a primeira senadora. Eu fui a primeira mulher a presidir a CCJ.
Yahoo – E existe algum desconforto pelos homens ao serem comandados por uma mulher?
Simone – Assumi a presidência da CCJ depois de quatro anos na Casa. Sou uma política de centro, por isso, tenho bom trânsito nos dois lados, na política econômica estou à direita, mas nas causas sociais estou à esquerda. Então, pelo meu perfil, não senti uma reação negativa.
Também não me impus. As decisões são em coletivo. É claro que, em alguns momentos preciso impor a ordem ou fazer cumprir o regimento. Mas meus colegas sabem que não estou ali por ser mulher.
Yahoo – A senhora acredita que a falta de apoio do MDB na sua candidatura à Presidência do Senado pode ter sido motivada pelo machismo?
Simone – Não. Naquele momento foi uma questão de grupo político. Tanto que perdi por um voto.
Yahoo – Existe a possibilidade de se candidatar de novo?
Simone – É um processo longo, que passa por uma tentativa de Proposta de Emenda à Constituição pela reeleição. Não tenho interesse na Presidência.
O que quero é que o Senado volte a ser a Casa alta do Parlamento, e não refém da Câmara, como aconteceu no caso da votação da segunda instância. Tínhamos uma lei pronta para ser votada, houve um movimento para aguardar a PEC da Câmara. É comum ter projetos idênticos tramitando nas duas Casas. Não havia necessidade.
Independente de quem seja, espero um presidente que me convença. O Senado é uma Casa plural e democrática, que deu saída para crises ao longo da história do Brasil. Espero que o Senado tenha a grandeza necessária para dar o norte e pautar o que for melhor para o país.
Yahoo – A senhora é do Mato Grosso do Sul, onde a Assembleia Legislativa é a única do país que não tem mulher ocupando mandato. Existem ações no nível estadual para incentivar as mulheres na política?
Simone – Sim. O MDB Mulher no estado, por exemplo, é forte. A Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul é pequena, tem 24 deputados estaduais. O máximo que tivemos foi de quatro deputadas. Claro que eu quero uma representatividade maior no Legislativo estadual, mas temos que ver que temos boas mulheres na política do estado. No Senado, de três senadores do Mato Grosso do Sul, temos duas mulheres.