“Articulação do governo ainda é péssima”, diz Simone Tebet ao Correio

Presidente da principal comissão do Senado, a de Constituição e Justiça (CCJ), a senadora afirma que o Executivo precisa imprimir a sua “digital” nas propostas que considera prioritárias

Carlos Alexandre de Souza RH Rosana Hessel

(foto: Minervino Junior/CB/D.A Press) (foto: Minervino Junior/CB/D.A Press)

Simone Tebet (MDB-MS) qualifica sem rodeios a articulação política do governo Bolsonaro. “Até agora, é péssima”. Presidente da principal comissão do Senado, a de Constituição e Justiça (CCJ), a senadora afirma que o Executivo precisa imprimir a sua “digital” nas propostas que considera prioritárias, a fim de que elas caminhem com mais celeridade no Congresso. Esse seria o caso das reformas tributária e administrativa, ainda não apresentadas pelo Executivo. Além dessas duas propostas, a senadora destaca ao menos cinco projetos fundamentais para a retomada da economia na agenda pós-reforma da Previdência. Na avaliação de Tebet, matérias como o Plano Mais Brasil, no qual estão incluídas três Propostas de Emenda Constitucional (PECs): Emergencial, Fundos e Pacto Federativo, exigirão mais empenho do governo nas negociações com os parlamentares, particularmente em ano eleitoral. Ela antecipa um papel mais contundente do Senado no contexto de protagonismo do Congresso em 2020.

Para a senadora, é preciso conter o populismo na Praça dos Três Poderes, passado o primeiro ano de nova administração no Planalto. “Agora é hora de entender que política com P maiúsculo se faz no campo das ideias, dos debates em alto nível, com projetos e programas de governo e de Estado”, observa. Nesse sentido, ela critica a atitude do presidente Jair Bolsonaro em provocar governadores na questão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis. “Ele precisa dos governadores, assim como os governadores precisam do Executivo. Consequentemente, jogar nas costas dos governadores a culpa por uma carga tributária excessiva no país não só é brincar com a verdade. É uma brincadeira de muito mau gosto”, afirma.

A parlamentar recebeu o Correio em seu gabinete em Brasília antes de viajar para Mato Grosso do Sul, seu estado natal e berço de sua iniciação política. Sobre a mesa de trabalho da senadora, repousavam o livro sobre as ações da CCJ em 2019 e um exemplar de Tormenta, da jornalista Thais Oyama. No sexto ano de mandato e com uma atuação parlamentar elogiada por colegas como José Serra, Simone Tebet conta que relutou para entrar na política. Mas foi convencida, após quatro anos de insistência, a seguir a carreira do pai, Ramez Tebet, presidente do Senado entre 2001 e 2003. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

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O presidente Bolsonaro fez mudanças importantes. Colocou Rogério Marinho no Desenvolvimento Regional e trocou o comando da Casa Civil. Como avalia a articulação política do governo com o Senado?
Até agora, péssima. Eu disse isso ao ministro Paulo Guedes. Na economia, eu tenho divergência. Tenho uma tendência mais liberal no que se refere à economia, mas tenho divergência em relação aos extremismos da política econômica. Vamos privatizar? Vamos, mas eles querem privatizar tudo: Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, BNDES, Petrobras… Sou radicalmente contra. Tenho um alinhamento com a política econômica, mas o papel do ministro Paulo Guedes e de sua equipe é realmente entregar o ótimo, na visão deles, para o presidente. A meu ver, o papel da Casa Civil e da equipe política do governo é chegar para o presidente e falar o seguinte: olha, como ponte entre Congresso e Executivo, eu estou conversando com os congressistas, presidente. Este projeto, da forma em que está, vai dar desgaste, se for apresentado ao Congresso. Isso não acontece. Vêm muitas vezes aqui, projetos que, se viessem mais flexíveis, teriam uma tramitação muito mais fácil. O ministro Paulo Guedes está cumprindo a missão dele. O presidente da República, também. O que falta é essa ponte, não só na interlocução do governo com o Congresso, mas na interlocução do governo com o governo. Falta aquele núcleo político dizendo o que dá e o que não dá para fazer, e dizer até onde a corda estica e quando ela vai arrebentar. Espero que, com essa mudança, isso venha para melhor, pelo bem do país.

Quais as expectativas para 2020?
Não acho que, por ser ano eleitoral, haverá um grande empecilho para a tramitação dos projetos no Congresso. Estamos enxugando o calendário eleitoral de tal forma que teremos uma eleição municipal com 45 dias de campanha. A eleição vai ser utilizada como desculpa, mas essa desculpa não cola. Acho que os embates continuarão como foi no ano de 2019. São os embates naturais da política, de um governo mais à direita, muitas vezes mais à direita do que se esperava, ante a uma parte do Congresso que é oposição e outra que, embora seja governo, tem divergência em alguns pontos. E, somado ao fato de que o presidente já se coloca como um pré-candidato à reeleição e, consequentemente, já traz a disputa de 2022 para dentro do Congresso Nacional. Com isso, alguns partidos começam a levar isso na conta, em uma análise daqueles que, porventura, já pensam em um outro pré-candidato.

As reformas tributária e administrativa não estão formatadas pelo Executivo. Além disso, há as três PECs do Plano Mais Brasil na sua Comissão. Como avançar cinco PECs em um tempo tão curto?
Eu diria que, de interesse do governo e do país segundo a ótica do governo, são sete projetos. Dois deles estão na casa: o Plano Mansueto, que está caminhando; e a autonomia do Banco Central. Ambos podem ser votados a qualquer momento. Depois, sobram cinco. Três deles estão na CCJ. É minha responsabilidade e minha obrigação, concordando ou não com os projetos, fazer um calendário razoável e possível que permita o debate. Eu garanto que os três projetos saem da CCJ ainda neste semestre. E vou mais, acredito que nós temos condições de avançar na PEC dos Fundos e na PEC Emergencial até final de março na CCJ. A princípio, a PEC dos Fundos está marcada para 19 de fevereiro, e nada impede que a gente já aprove no mesmo dia para mandarmos para o plenário. Mas temos o carnaval, e, portanto, deverá passar até a primeira semana de março. Na PEC Emergencial, temos todas as condições de fazer as audiências públicas no início de março e votar, no mais tardar, até a terceira semana de março. Essa PEC é, inclusive, a mais importante, segundo o governo. E a PEC do Pacto Federativo depende da PEC Emergencial. Então, não posso ter calendário.

Por quê?
Enquanto o plenário do Senado não aprovar ou rejeitar a PEC Emergencial, não posso avançar com a PEC do Pacto Federativo porque, a meu ver, erroneamente, o governo copiou a PEC Emergencial e colocou outras coisas no texto. O Pacto Federativo é 50% PEC Emergencial, e, com isso, ela inviabilizou a agilidade do Pacto Federativo. Como é que eu voto PEC Emergencial em plenário e coloco para votar a PEC do Pacto Federativo? Por isso, eu digo que, avançando a PEC dos Fundos e a Emergencial no plenário até o final de abril, teremos condições de, em maio, tocar a PEC do Pacto Federativo.

E as reformas administrativa e tributária?
Costuma-se dizer que quando você não quer votar um projeto, cria comissões mistas. Mas, nesse caso específico da tributária, acho que o efeito vai ser o contrário. Ela vai ter a capacidade de dizer o seguinte: quais das PECs que estão no Congresso vão servir de base? Já há uma tendência do MDB do Senado a acompanhar a PEC da Câmara, que é a do nosso presidente (nacional do MDB), o deputado Baleia Rossi (PEC 45/2019). Mas, mais do que isso, acho que a comissão especial vai trazer o governo para o processo. A base pode ser a PEC do Baleia. Mas é a base. Dali, tem que sair e ter a digital, as sugestões e a linha mestra do governo federal. Não existe reforma tributária a ser debatida e discutida no Congresso Nacional sem a participação decisiva do Executivo. É isso que eu espero dessa comissão mista. Ela vem para alinhavar algo que está solto.

O que acha do desgaste entre o Planalto e os governadores?

O Brasil já cansou de populismo. Não foi à toa que tentou mudar (nas eleições de 2018). Eu diria assim: chega de populismo, seja à esquerda, seja à direita. O presidente já teve um ano de experiência, de amadurecimento. Agora é hora de entender que política com P maiúsculo se faz no campo das ideias, dos debates em alto nível, com projetos e programas de governo e de Estado. Não dá mais ficar só jogando para a plateia. Para ele ter apoio do Congresso e da sociedade, precisa interagir de forma responsável, respeitando inclusive o bom senso e a inteligência dos políticos de bem. Ele precisa dos governadores assim como os governadores precisam do Executivo. Consequentemente, jogar nas costas dos governadores a culpa por uma carga tributária excessiva no país não só é brincar com a verdade. É uma brincadeira de muito mau gosto. Não se faz isso com governadores que estão sentando toda hora à mesa de negociação e estão dando a sua parcela de contribuição com este governo quando dizem: mesmo mexendo no meu ICMS, eu aceito fazer a reforma tributária. No meu estado, se a reforma do Baleia for aprovada do jeito que está, perde quase 25% de todo o seu ICMS. Nem  por isso governo foge da mesa de negociação.

Eles já fizeram uma proposta que prevê um fundo de compensação.

Sim, é isso que estou dizendo. Eles estão tendo uma boa vontade com este governo federal. Não se recusam a dialogar. Por isso, não se pode brincar. Muito devagar com andor porque o santo é de barro. Uma hora essa corda arrebenta. Os próprios eleitores e simpatizantes do presidente vão perceber que isso é populismo, é fugir de uma responsabilidade. O que não pode é um governo dizer que já deu a cota de participação em uma reforma tributária e administrativa e deixar o ônus para o Congresso. Já fizemos isso na reforma da Previdência. A reforma da Previdência levou 11 meses pela complexidade que ela tinha. E nós demos a cota de sacrifício para o país, independentemente do desgaste eleitoral que tivemos ou venhamos a ter. Acreditamos que aquela era a reforma ideal, embora tenhamos feito ajustes. Mas fizemos ajustes muito menores do que queríamos. Isso não vai se repetir nas PECs do Fundo Emergencial e do Pacto Federativo. E isso já está acontecendo com o relatório (da PEC dos Fundos) do senador Otto Alencar (PSD-BA), que deverá ser votado na próxima quarta-feira (19).

Como assim?
Nós vamos fazer as PECs que entendemos serem  as ideiais para o país. Na PEC da reforma da Previdência, nós tivemos que “engolir” a reforma da Câmara e só conseguimos suprimir textos para o projeto não voltar. Não conseguimos modificar. Agora, não. Com essas PECs, faremos as alterações que achamos necessárias. Tudo o que for excesso da política econômica liberal, vamos tirar.

Pode dar um exemplo?
Na PEC dos Fundos, ao invés de serem dois exercícios financeiros utilizáveis, colocamos um ano só. Reintroduzimos até uma emenda que foi minha, que destina parte das receitas desvinculadas do fundo a projetos para uma política nacional de fronteiras. Somos um país fazendo fronteira com 11 países. O meu estado faz fronteira com dois. Portanto, estamos fazendo alterações. A PEC Emergencial vem não só querendo resolver o problema do deficit fiscal da União, mas querendo que nós, parlamentares, resolvamos o problema dos estados e dos municípios, dando a eles o poder para reduzir em 25% a jornada de trabalho e o salário do servidor público.

Mas isso já foi considerado inconstitucional.
É. Eu já conversei com o ministro Guedes, e ele já me autorizou a falar com o relator. A bancada do MDB tem uma sugestão diferente, que é fazer o que foi feito com a reforma da Previdência: por lei ordinária. Os estados e municípios que estabeleçam um teto de gastos com novos gatilhos, não fazer concurso, não dar progressão para o servidor, reduzir salário e reduzir tempo de jornada e outras coisas. Cada estado que faça o seu gatilho, e não o parlamento.

Para isso seria preciso uma PEC Paralela?

Não. Podemos fazer as alterações dentro dessa PEC. Ela ainda vai para a Câmara. E temos o poder de alterará-la novamente.

A reforma administrativa deve começar pelo Senado?
Não. Tem que começar pela Câmara. Não podemos ter vaidade num país onde grande parte da população brasileira não tem o luxo de poder ter três refeições ao dia. Não é possível um Congresso com vaidade. O Brasil que tem fome, o Brasil do desempregado, o Brasil dos sem-teto com muitas mães na fila do projeto Minha Casa Minha Vida, esse Brasil tem pressa. Nessa ótica, o Senado não dá conta de trabalhar com as três PECs que mencionamos e, ainda assim, começar com a PEC da reforma administrativa e da reforma tributária. Que elas comecem na Câmara, sem nenhum problema. A Câmara tem inúmeras comissões, deputados prontos para trabalhar. Não vejo nenhuma dificuldade.

Mas como está o clima para discutir essas duas PECs?

Depende muito do governo. Ele vai colocar a sua digital e dizer o que quer? Por que a reforma tributária ainda não andou? Porque o governo, achando que vai se indispor com o Senado ou com a Câmara, não disse a reforma que quer. Acho que esse problema está resolvido quando se aceitou criar uma comissão mista. É uma sinalização para o governo de que queremos um ponto de partida. E esse ponto de partida precisa vir do governo.

Essa comissão era para ter sido criada em dezembro, quando Alcolumbre anunciou que queria urgência. Mas janeiro passou, estamos em fevereiro, perto do carnaval, e ela ainda não está formada.
Esse é precisamente um exemplo do que estou falando. Acho que, acertadamente, o presidente Davi não criou a comissão no fim do ano para não esvaziar a força que ela precisa ter. Imagine uma comissão que começasse em dezembro, quando estávamos votando reforma da Previdência, finalizando uma reforma fundamental para o país… E tínhamos que votar o Orçamento, que foi tumultuado. Essa comissão teria um tempo de vacância de 45 dias e iria voltar como? Agora é a hora de ela se iniciar — desde que o governo entre no processo. O que os presidentes da Câmara e do Senado estão esperando é realmente a voz retumbante, eu diria, do governo federal, dizendo: estamos dentro da reforma tributária. E a reforma tributária que queremos é do imposto dual ou não? Vamos unificar todos os impostos ou apenas os impostos federais neste momento? Vamos tributar realmente a origem e não o consumo, ou também vamos falar em desoneração, em compensação, mexendo em percentuais tributários? Não sabemos.

O que pretende defender este ano?
Quando entrei no Senado, vim muito fortemente com a convicção de que iria defender a bandeira da educação. Sou professora universitária, fiquei quatro anos na comissão de Educação. Outra bandeira era a do desenvolvimento regional. Eu não entendo um Brasil forte e um Brasil desenvolvimento se não desenvolvermos igualmente as regiões mais pobres: Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A partir daí, há uma gama de projetos para serem desenvolvidos. Nos primeiros dois anos, avançamos muito nessas pautas até eu perceber que, por estar na CCJ, e, agora na presidência da CCJ, a necessidade de ter uma visão mais genérica. Acho que não temos que escolher pautas, mas somos escolhidos pelas circunstâncias. Somos pautados por elas.

A senhora atua também em favor das mulheres.
Fui a primeira presidente de uma comissão mista de combate à violência contra a mulher, que foi constituída quando cheguei. Carrego com muito carinho no meu currículo, porque a gente avançou muito na pauta feminina quando estive lá. Avançamos nesses quatro anos o que não avançamos desde a Constituição de 1988. Desde a Lei Maria da Penha, que foi o grande marco, e a cota de 30% de vagas para as mulheres, não tínhamos grandes projetos de defesa da mulher. Nesses quatro anos, você sai com pelo menos 15 projetos relevantíssimos para a mulher, seja no que se refere ao combate à violência contra a mulher, seja no que se refere à participação da mulher na política. A chave de ouro é a decisão do Supremo: graças à bancada feminina, que a mulher não só tem 30% de vagas, como 30% do tempo de rádio, de televisão e de cota do fundo. Agora ela vai competir com grau de igualdade. Na primeira eleição em que aconteceu isso, em 2018, todo mundo falou de laranja. Mas ninguém falou que essa lei serviu para aumentar em 25% o número de mulheres na Câmara. Passamos de 56 para 77, a maior bancada feminina da história. É o discurso machista de homens que têm medo de perder poder.

A senhora ainda almeja ocupar a cadeira do seu pai? Tem planos de concorrer novamente à presidência do Senado?
Dizem que cavalo arreado não passa duas vezes. Passou e acabei abrindo mão. Eu tinha uma eleição garantida para a presidência do Senado. Mas acho que o meu bom senso prevaleceu e, acima de tudo, os ensinamentos do meu pai. A gente precisa do poder para servir e não para ser servido. Aceitei enfrentar a minha bancada, coloquei a minha candidatura. Quando perdi na minha bancada, tive a convicção de que não poderia disputar a presidência naquele momento. Mas fui procurada por todos os candidatos e praticamente todos abriram mão para mim, menos o Davi. Eu, nesse momento, disse: não sou candidata. Seria incoerente com a minha história. Era como ir para a final, aceitar as regras do jogo e depois que o jogo termina 1×0 ou empatado, pedir prorrogação porque quero ganhar. Aceitei a regra do jogo. Fui para dentro da bancada e perdi. Na época, até por um voto, porque houve uma manobra. Poderia ter sido presidente do Senado, mas teria que contrariar uma série de ensinamentos do meu pai que são premissas absolutas. E o dia que eu violar essas premissas, é melhor parar de fazer política. Se o cavalo arreado só passa uma vez, passou a minha vez. Mas, de qualquer forma, seja quem for o candidato ou a candidata para a presidência do Senado, tem que, acima de tudo, assumir compromissos extremamente sérios com a sociedade brasileira.

Mas Tancredo Neves dizia que a política é como nuvem…
…Ora tá aqui, ora tá ali (completa a frase). É o que eu digo. Eu tive o meu momento. Se vou ter novamente, não sei. Mas, também acho que estou no lugar certo e na hora certa. Estive e estou na presidência da CCJ no momento em que a presidência exigia alguém de perfil técnico. Não estou dizendo que eu sou a melhor. Melhor que eu, tem vários.  Como a indicação era do MDB, poderia estar uma pessoa que não era técnica. Na reforma da Previdência, eu sei o quanto foi importante a minha atuação na presidência da CCJ. Acho que nada é por acaso. Tenho a missão  —  porque a CCJ é o coração e o pulmão do Senado — de acelerar pautas para o plenário. E me dá toda a liberdade que eu nao teria na presidência do Senado. Vamos aguardar.

A senhora estabeleceu um novo ritmo de trabalho à CCJ?
Espero que sim. Mas são coisas simples. Não tinha sentido cada parlamentar usar a palavra por cinco minutos para discutir o que quer que seja, dentro da pauta ou fora da pauta, quando se tem o plenário. Reduzimos para três minutos. Fizemos uma combinação, que pode se rompida a qualquer momento, os senadores são soberanos. A redução do tempo não comprometeu o debate. Outra forma de proceder é unificar a pauta. O senador Fabiano Contarato (Rede-ES), por exemplo, além de delegado, trabalhou por muitos anos em uma delegacia especializada de trânsito. Temos inúmeros projetos relacionados a trânsito. Quando assumi, tínhamos 37 projetos parados, muitos inconstitucionais e ilegais. Perguntei a ele: você aceita pegar o projeto que é o filé- mignon junto com a carne de pescoço, ou seja, os mais difíceis. Ele falou: pode trazer. Coloquei na mão dele 37 projetos e ele já devolveu exatamente na última sessão (quarta-feira). Pautamos um terço desses projetos. Todos foram relatados e encerramos a discussão. Outros, por serem terminativos, serão votados na semana que vem. Quero, até o final de março, exaurir esses 37 projetos.

Qual a memória mais importante que guarda do seu pai?

Meu pai tem origem libanesa, portanto, tem por tradição uma mentalidade mais fechada. A Tabata (Amaral-PDT-SP) me perguntou: “Como você decidiu fazer política?”. Eu falei: “Decidiram por mim”. Nunca me imaginei na vida pública. Sempre fui de fazer política de bastidores: cara pintada, Diretas já… participava de movimentos. Nunca quis estar na vida pública porque a minha referência era: o político na família era o meu pai. Quem me trouxe para a vida pública foi meu pai. Meu pai ficou quatro anos tentando me convencer a ser candidata à deputada estadual. Eu atrasei minha vida pública por quatro anos. A memória que eu tenho de meu pai é de um homem à frente do seu tempo, porque ele tinha uma coisa de estimular a juventude a fazer política. E  pelo fato de ele ter estimulado, num universo de quatro filhos — dois homens e duas mulheres — uma mulher a fazer política. Esse homem  que teria hoje 83 anos é de uma geração que achava que política era feita de homens. Ele era um homem à frente do seu tempo. E extremamente equilibrado. Era um pacificador por onde passava. Conversava, dialogava. Tinha uma boa convivência, tinha o respeito de um homem de direita a uma Heloisa Helena, que representava, naquele momento, a extrema esquerda.

A senhora tem esse perfil?

Tenho um perfil mais equilibrado, no que se refere a ideias. Consigo ver defeitos e qualidades em qualquer ideologia, posicionamento. Por isso, não consigo me enxergar como uma pessoa de direita nem de esquerda. Tenho uma tendência mais liberal na economia, portanto mais próxima da direita, mas tenho uma identidade com a esquerda no que se refere a movimentos sociais, a políticas públicas, à valorização de direitos, à igualdade. Eu consigo transitar. Não sei se estou no limbo por conta disso. Mas tenho essa facilidade de enxergar o lado positivo de tudo na vida. Mas não tenho esse perfil pacificador como ele, essa paciência, esse jogo de cintura talvez que ele tinha. Era um homem que estava pronto para o diálogo a todo momento.

José Serra a elogiou, ao dizer que a senhora exerce autoridade sem ser autoritária. Como  explica essa definição?
É um misto disso. É de saber ouvir, eu sei ouvir. Sei respeitar aqueles que pensam diferente de mim, sem medo de dizer aquilo que penso. Mas acho que tem um pouco também do viés feminino. A mulher — isso é comprovado cientificamente e também por uma questão cultural – é mais gentil no trato. Ela tem mais paciência — repito, por uma questão cultural, e a toda regra há exceção, para um lado ou para o outro. Esse lado feminimo contribui positivamente. Estou, inclusive, pronta para dialogar com os colegas, para ceder quando estou errada. Quantas vezes já pedi desculpa.

Mas o Brasil passa por uma fase autoritária. Isso não incomoda?

Sou de uma geração que viveu exatamente essa transição. Saímos de um autoritarismo, de uma luta no processo de redemocratização. E a democracia que sonhamos, que queríamos, ou que queremos, é a democracia em que se permite a todos o direito de falar, a todos o direito de se posicionar e de ser respeitado por aquilo que fala. Nós lutamos tanto por isso… Eu comecei muito novinha, porque tinha berço político, escutava na porta entreaberta o meu pai junto com seus colegas, pequenina em Três Lagoas (MS), ouvindo política. Nós lutamos tanto por isso e, de repente, vemos a nossa democracia radicalizada pelos extremos. Não é isso que nossa geração quer. Hoje ela está cega, contaminada, com medo de um passado recente, por isso acha que tem de tomar lados. E nós temos que ser o fiel da balança e dizer que não precisa. Não precisa ir para a extrema esquerda, ou para a extrema direita.

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Qual o caminho, então?
Há o caminho do centro, que permite fazer a ponte. Eu venho de um  partido que foi fundamental para a ponte. Quando todos os partidos foram fechados, quando se calavam vozes, foi o MDB que abraçou os partidos políticos, que buscou essas pessoas nos cárceres, aí na figura imortalizada de Ulysses Guimarães. Talvez, por isso, não consiga conviver com radicalismo. Tenho como propósito começar em 2020 — tenho conversado com alguns amigos políticos — de começar um movimento desse centro democrático. Não um centro democrático para apresentar candidato a presidente da República. Refiro-me a um centro democrático onde se permita mostrar para a sociedade que há outra forma de se fazer política, e não essa forma radicalizada da calúnia e da difamação nas redes sociais.

Mas como fazer isso em ambiente tão tóxico?
Precisamos esperar ainda alguns meses. É preciso chegar a um ponto — que ainda não chegou — de as pessoas quando nos ouvirem, falarem: “Vocês têm razão”. Eu acho que está perto, muito perto, e ainda este ano. Assim que acabar a eleição — a eleição vai ser um termômetro para ver se é o momento ou não, eu acho que ela vai mostrar que é. As pessoas estão se cansando desse radicalismo, porque estão percebendo que ele não está levando a nada.

Como vai avançar o debate da segunda instância? Terminará com a dicotomia entre o Judiciário e Legislativo?
Tem algo mais grave nesse ponto. Refiro-me ao Senado ter se apequenado nesse episódio, sob o argumento de ter aceitado aguardar o calendário da Câmara para votar uma PEC sobre o tema. Não somos apêndice da Câmara dos Deputados, nem viceversa. A Câmara tem  a mesma independência e importância do Senado Federal. O mesmo respeito que nós temos pela Câmara, a Câmara tem que ter por nós. Nós nos apequenamos. Uma desculpa foi dada para não se votar um projeto que alguns não queriam. Nos bastidores, fui quase que protagonista em todos os momentos: tive de convencer o autor da PEC no Senado (Oriovisto Guimarães — Podemos/PR) a desistir da proposta para que avançássemos com o projeto de lei (do senador Lasier Martins —  Podemos/RS), a pedido do presidente do Senado; tive que ir com alguns colegas ao ministro Moro para perguntar se poderíamos avançar com a lei; tivemos que mostrar e lembrar que o presidente do Supremo deu voto de minerva, disse que por lei poderia mexer. Tudo isso foi feito e costurado. Quando estávamos com a lei pronta, houve um movimento para aguardar o calendário. Esse calendário, por mais curto que seja, de alguma forma, causou uma ingerência indevida no Senado. Independentemente da pauta, não podemos nos esquecer que esta é uma Casa independente. Mas do limão vai se fazer uma limonada.

Por quê?

Apesar de termos votado a segunda instância na CCJ e não termos votado no plenário do Senado, o fato de não ter ido para a Câmara nos coloca em uma posição privilegiada. Se a Câmara não votar a PEC no prazo combinado (a previsão é abril) ou de forma extremamente distorcida, a PEC vem para cá. E nós ficamos com dois instrumentos, em condições de trabalhar em cima da PEC e de avançar na lei. Se os dois projetos estivessem lá, nós não teríamos um instrumento de pressão legítima, que é a votação em plenário da lei que altera o Código de Processo Penal.

A seguir, veja os principais trechos da entrevista.

1ª parte – https://www.youtube.com/watch?v=bhOMEXzWmy4

2ª parte – https://www.youtube.com/watch?v=FHUok3siUjo

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