Nestor Rabello
Os Estados Unidos e a União Europeia são veteranos nas discussões sobre a proteção de dados pessoais dentro de um cenário comercial cada vez mais tecnológico e competitivo. O Brasil, contudo, só deu seu primeiro passo expressivo na mesma direção em 2014, com a aprovação do Marco Civil da Internet.
Com players globais aprimorando cada vez mais legislações e práticas corporativas, coube ao Congresso Nacional a iniciativa de fortalecer as regras sobre proteção de dados pessoais e elevá-las aos rigorosos padrões internacionais.
Isso não é por acaso. Em 2018, a Regulação Geral de Proteção de Dados (GDPR, na sigla em inglês) entrou em vigor nos países da União Europeia, ainda na esteira do escândalo da Cambridge Analytica, que envolveu um massivo vazamento de dados do Facebook no âmbito da controversa eleição de Donald Trump.
Esse movimento promete balizar a atuação de empresas internacionais e órgãos públicos europeus, com reflexos, inclusive, no comércio exterior. O recente episódio do vazamento de conversas mantidas pelo então juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça e Segurança Pública, com procuradores da República torna ainda mais relevante a discussão do tema.
No último mês, importantes passos foram dados nesse sentido: a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória 896/18, que, além de regulamentar a Lei Geral de Proteção de Dados aprovada ainda na gestão Michel Temer, cria a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
Nesta quarta-feira (12), o Senado Federal deve analisar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que oferece garantia constitucional à proteção de dados pessoais. O Capital Políticoconversou com a relatora da proposta, Simone Tebet (foto), do MDB do Mato Grosso do Sul, que destacou as principais mudanças da medida.
Confira a seguir:
O que essa PEC traz de novo, o que corrige e o que reforça?
Na realidade, a PEC deixa claro que é competência da União legislar sobre essa matéria, que é extremamente delicada pois contrapõe grandes interesses, o público e o privado. Entra-se sempre em um dilema sobre o momento em que o interesse público da maioria prevalece sobre o da minoria, ou do indivíduo. É óbvio que prevalece o da maioria naquilo que é essencial e coletivo; naquilo que é individual, não. O que já é preservado pela Constituição – como direito à vida ou à liberdade de expressão, o direito à intimidade e à privacidade – precisa ser pesado muito mais pelo lado do indivíduo que da sociedade. Nessa relação conflituosa, estamos deixando claro que, como interfere na sociedade como um todo, a competência é da União para legislar.
Quais conflitos podem ser gerados por esse cenário?
Os maiores conflitos que estão surgindo no direito, e vão continuar surgindo, têm a ver com a nossa relação com a tecnologia. Por isso, constitucionalizar a questão significa o Estado dizer que reconhece a importância do tema, classificando esse direito à proteção de dados como fundamental. Ou seja, o Estado, a sociedade, o cidadão podem ter direito, como regra geral, ao conhecimento do outro, desde que esse conhecimento, essa informação, esses dados sejam realmente necessários. Do contrário, é preciso preservar ao máximo a intimidade e a privacidade dos dados.
Ao ser respaldado pela Constituição, esse direito dá mais segurança para as empresas da área investirem e fecharem negócios?
Sem dúvida. Dá segurança para a própria empresa, que passa a não ser acionada toda hora para questionamentos. Isso é algo que está atrasado no Brasil. Agora demos um passo a mais para mostrar que estamos atentos a esse cenário.
A análise da PEC sinaliza que as questões envolvendo o setor tecnológico passarão a ter maior relevância no Legislativo?
Sim, mas por conta da renovação não só no sentido eleitoral, mas também geracional, principalmente no Senado, com parlamentares mais novos, antenados, que já começaram sua vida adulta no mundo virtual. Por isso vai haver uma celeridade em relação a esses assuntos. Se pensarmos que levamos 20 anos para o Marco Civil da Internet e 25 anos para a Lei Geral [de Proteção de Dados], a tendência é que o processo seja cada vez mais rápido. Em poucos anos, tivemos o Marco Civil, a legislação dos dados, a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados e, agora, esse texto constitucional.