Paola Lima
Em meio à polêmica do contingenciamento de recursos para as universidades e institutos técnicos federais, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, defendeu no Senado o foco do ministério na primeira infância, como estratégia para vencer a desigualdade social. Esse caminho, disse ele, é uma recomendação do economista americano James Heckman, vencedor do Prêmio Nobel em 2000. Em audiência na Comissão de Educação (CE) em 7 de maio, Weintraub afirmou que Heckman diz é que “o retorno social” é muito maior quando feito na educação infantil.
Mas quanto, de fato, o Brasil tem investido nessa etapa do ensino? Em 2014, o governo anunciou que dedicaria atenção especial às crianças de até 3 anos, em creches, e de 4 e 5 anos, nas pré-escolas. No mesmo ano, o Plano Nacional de Educação (PNE), criado pela Lei 13.005, de 2014, estabeleceu diretrizes, metas e estratégias para a política educacional de 2014 a 2024, até mesmo quanto a investimentos. Desde então, o número de matrículas na educação infantil cresceu 11,1%, atingindo 8,7 milhões.
O aumento, porém, não foi suficiente. A primeira meta do PNE era universalizar, até 2016, a educação na pré-escola para as crianças de 4 a 5 anos. Três anos após o fim do prazo, o atendimento escolar é de 91,7%. Para as crianças de até 3 anos, a meta do PNE era atender, no mínimo, 50% até o final da vigência do plano, em 2024.
Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que as matrículas em creche cresceram 23,8% entre 2014 e 2018, mas apenas 32,7% das crianças estão sendo atendidas. Falta matricular cerca de 2 milhões para alcançar a meta. Uma das medidas para reestruturar o segmento é o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Pública de Educação Infantil (Proinfância), que tem entre seus eixos a construção de creches e pré-escolas.
Relatório de avaliação elaborado pelo Ministério da Transparência e pela Controladoria-Geral da União (CGU) mostrou que, de 8.824 obras previstas, apenas 3.482 (39%) foram concluídas. Dessas, só 1.478 (17%) estão em funcionamento. O relatório da CGU ajudou a fundamentar no Senado um ciclo de debates sobre obras de creches inacabadas, promovido pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle (CTFC).
— Já foram gastos R$ 6 bilhões, e menos da metade das creches anunciadas foi concluída. Cada projeto que deixa de acontecer representa dramas familiares — lamentou o presidente da comissão, senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL).
O diretor de Auditoria de Políticas Sociais e Segurança Pública da CGU, José Paulo Barbiere, mostrou que, se todas as creches e pré-escolas pactuadas tivessem sido concluídas e estivessem em funcionamento, o país teria ganhado mais de 1,8 milhão de novas vagas — quantidade próxima à da meta do PNE. No entanto, menos de 600 mil novas vagas foram abertas.
— O programa não demonstrou a que veio, só gerou problemas e deficiências que precisam ser solucionados nas próximas gestões — afirmou.
De acordo com a pesquisa “Obras Paralisadas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)”, da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), 969 das creches inacabadas estão com a obra paralisada há pelo menos quatro anos. A principal dificuldade é a execução. As prefeituras não têm condições financeiras de bancar a infraestrutura necessária e acabam paralisando a obra faltando 1% ou 2% para ser concluída.
— A fiscalização tem de existir. O Estado tem de ser mais ágil na aplicação de recursos e na atenção às obras — cobrou Luiz Afonso Assad, da Comissão de Infraestrutura da Cbic.
Na tentativa de ajudar estados e municípios, o Ministério da Educação estendeu até 25 de setembro o prazo para que gestores solicitem a retomada das construções. Para Rodrigo Cunha, o Senado também precisa buscar soluções:
— É importante jogar luz sobre esse gargalo inadmissível na educação infantil e aperfeiçoar os dados para cobrar do governo a retomada das obras.
Outro grande empecilho à ampliação da educação infantil no Brasil é a falta de dinheiro, que se agrava com as restrições orçamentárias por causa da prolongada crise fiscal.
O programa Brasil Carinhoso (Lei 12.722, de 2012), que consiste na transferência automática de recursos financeiros para custear despesas com a educação infantil, não teve orçamento para 2019. Em 2018 a verba já havia sido de R$ 6,5 milhões — o equivalente a apenas 1% do orçamento de 2014, que foi de R$ 642 milhões.
Fundeb
Tramita no Senado o PLS 339/2017, que define percentuais mínimos para o Brasil Carinhoso. Municípios que cumprirem a meta da educação terão repasse mínimo de 50% do valor anual por matrícula definido pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Já os que não cumprirem a meta receberão pelo menos 25% do valor. A proposta, de Romário (Pode-RJ), está na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).
Os senadores também analisam a PEC 33/2019, de Jorge Kajuru (PSB-GO), e a PEC 65/2019, de Randolfe Rodrigues (Rede-AP), para tornar o Fundeb permanente. A vigência do fundo termina em 2020. O Fundeb tem programados R$ 156,4 bilhões para custear 40 milhões de estudantes em 2019. A PEC de Kajuru está no Plenário e a de Randolfe, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).
Em abril, foi aprovado o PLS 466/2018, do senador José Serra (PSDB-SP), que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), para instituir programa de auxílio financeiro a famílias de baixa renda que não conseguirem matrícula para crianças de até 5 anos. A proposta seguiu para a Câmara. Os prefeitos e o governador do DF ficariam autorizados a criar o auxílio-creche para os beneficiários do Bolsa Família com crianças nessa faixa etária onde não houvesse vagas na rede pública ou conveniada.
— Criança fora de creche ou com escola deficiente e de família pobre será pobre. Isso cria um círculo em que pobreza gera pobreza — argumenta Serra.
Ele salientou que 34% das crianças de até 3 anos não frequentam estabelecimentos de educação infantil porque não há vagas.
— O prefeito vai atender as famílias carentes e estar isento de qualquer ação judicial, porque vai estar respaldado por uma lei aprovada pelo Congresso — apoiou Simone Tebet (MDB-MS).
Relator do PNE no Senado em 2013, Alvaro Dias (Pode-PR) reconhece que o país está longe de alcançar o que está previsto. Ele defende o incentivo à construção de creches com verbas da União e a adoção de medidas como a proposta de Serra.
— O projeto não soluciona, mas sinaliza que o Parlamento sabe a necessidade, a importância e o valor do investimento público na primeira infância.
Cid Gomes (PDT-CE) criticou o projeto, argumentando que ele não acrescenta recursos à educação, apenas permite que vouchers (auxílios) possam ser entregues às famílias para matricularem seus filhos em creches particulares.
Outro texto sobre o tema, o PLS 172/2018, do ex-senador Wilder Morais (PP-GO), permite o uso de recursos do Fundeb para despesas com educação de crianças de até 3 anos em creches privadas. Plínio Valério (PSDB-AM) deu parecer contrário à proposta na CE, argumentando que esses recursos devem ter como regra o atendimento na rede pública, e não o financiamento de bolsas.
Fonte: Agência Senado