”Não somos meros carimbadores”, diz Simone Tebet, presidente da CCJ

Simone garante que a reforma da Previdência, assim que chegar na Casa, será ”prioridade número um”. Contudo, avisa que os senadores não serão meros chanceladores da Câmara

Rosana Hessel

A senadora Simone Tebet (MDB-MS) é uma das mulheres mais ativas no Congresso e preside a comissão mais importante do Senado: a de Constituição e Justiça (CCJ), por onde passará a reforma da Previdência e as principais pautas econômicas do governo neste segundo semestre.

Simone garante que a reforma da Previdência, assim que chegar na Casa, será “a prioridade número um”. Contudo, avisa que os senadores não serão meros chanceladores da Câmara. “Eu advogo que a reforma da Previdência é tão necessária e tão urgente que não podemos contaminá-la com absolutamente nada. Se for retirar, colocar um outro texto, isso é papel do Senado. Não somos meros carimbadores, obviamente”, afirma.

Outra prioridade, a reforma tributária, poderá ocorrer em duas etapas, na avaliação da presidente da CCJ. Ela, inclusive, descarta qualquer chance de o Congresso aprovar a volta de uma nova CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), como a equipe econômica vem cogitando. “Acho que o governo tem que ter o pé no chão de avançar paulatinamente sobre essa questão”, ressalta.

O Congresso volta efetivamente aos trabalhos nesta semana, e, na avaliação da parlamentar, as declarações polêmicas do presidente Jair Bolsonaro, feitas durante o recesso, podem atrapalhar o andamento dos projetos do governo, menos a agenda econômica, que, para ela, “está blindada”.

“Estamos falando de um presidente que, em vez de dar o exemplo, chega à beira do limite civilizatório do que se espera de um cidadão enquanto ser humano mesmo”, afirma sobre as declarações relativas à morte do pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, durante a ditadura militar. Para ela, “Bolsonaro não precisa de adversário”.

Em relação à indicação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para chefiar a embaixada brasileira nos Estados Unidos, Simone é categoricamente contra. Para ela, o deputado vai ter que provar que tem capacidade e cumpre os pré-requisitos para a função durante a sabatina no Senado. “Justamente por ser o filho do presidente, ele vai ser muito mais cobrado”, alerta.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Todo dia, o presidente Jair Bolsonaro faz uma declaração polêmica que provoca instabilidade política. Isso pode atrapalhar a volta dos trabalhos do Congresso?
A sorte do presidente é o Congresso estar fechado. Bolsonaro não precisa de adversário. Ele mesmo cria as próprias crises.

Mas a senhora acha que, por conta dessas declarações, o clima no Congresso pode ficar menos amistoso?
Sem dúvida nenhuma. O Congresso é uma casa política e plural. Nós somos a caixa de ressonância da sociedade. Isso reflete no posicionamento dos parlamentares. Não tenho dúvida que isso contamina e atrapalha a agenda do governo. A única agenda que eu acho que fica protegida, muito por conta do entendimento do Congresso da responsabilidade que tem para com o país, é a agenda econômica. É a única que está blindada. Ou seja, vamos aprovar a reforma da Previdência e, provavelmente, as medidas de desburocratização, ainda que seja uma minirreforma tributária, independentemente do que o presidente diga ou faça. Isso, para mim, é muito claro. Agora, o resto, contamina tudo. Não só contamina, como atrasa. E quando esse tipo de declaração sai da própria boca da maior autoridade do país, a coisa se agrava. Nesse caso específico, em relação ao pai do presidente da OAB…

Foi o mais grave na sua avaliação?
Sim. Por dois motivos. Primeiro, político, porque se questiona se houve indícios de uma quebra de decoro e se não caberia algo mais radical do que uma simples moção de censura ao presidente. Mas, paralelo a isso, estamos falando de um presidente que, em vez de dar o exemplo, chega à beira do limite civilizatório do que se espera de um cidadão enquanto ser humano mesmo. Foi uma declaração gratuita, inoportuna e inacreditável.

Com o fim do recesso, a comissão presidida pela senhora, a CCJ, ganha destaque, porque é por onde vão passar as principais reformas . Como vai administrar as prioridades da agenda da comissão?
A prioridade número um é a reforma da Previdência. Ela deve chegar à comissão a partir da segunda semana, provavelmente, a partir do dia 12. Mas essa reforma chega mais madura. Já houve debate na Comissão Especial da Câmara, onde os senadores acompanharam de perto as discussões. Obviamente, começamos no aspecto regimental, procedimental do zero, mas, no conteúdo, estamos avançados. Temos um regimento de cumprimento de prazos que precisam ser observados. Vou procurar agilizar a tramitação na comissão, porque o Brasil tem pressa. Todos sabemos a importância da reforma da Previdência, mas sem açodamento, sem tirar o direito de quem quer que seja de debater, de fazer audiência pública, de fazer posicionamento e de aprofundar o debate na CCJ.

Há um número mínimo de sessões que precisará ser respeitado? 
Não. Mas tem os prazos regimentais de apresentação do relatório, tem pedido de vista de uma semana e, nesse meio tempo da apresentação do relatório, é preciso marcar uma audiência pública. Um prazo razoável de tramitação mínimo na comissão é de três semanas. Eu acredito que, em 30 dias, a CCJ tem condições de se debruçar em cima da reforma. Nem que, para isso, as reuniões ordinárias sejam apenas para a reforma da Previdência. Obviamente, com consenso, vamos organizar os trabalhos com os líderes.

Quando a senhora acha que a matéria poderá ir para votação em plenário do Senado? 
Acho que na segunda semana de setembro já deveremos ter condições de enviar a reforma para o plenário. Quanto mais se debater e discutir a matéria na CCJ, mais rápido é o embate no plenário.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, teve um papel importante nas negociações para a aprovação da reforma da Previdência no primeiro turno. Podemos esperar o mesmo protagonismo do presidente da Casa, Davi Alcolumbre?
Em primeiro lugar, a figura de um presidente de uma Casa, seja na Câmara, seja no Senado, é fundamental num processo de reformas. No caso da reforma da Previdência, que é um assunto muito mais árido, mais difícil, com mais embates, é fundamental. Não tenho dúvidas que o presidente Davi vai trabalhar para uma tramitação rápida no Senado. Mas essa rapidez não vai passar por cima de nenhum rito regimental. Eu conheço bem a atuação do presidente da Casa. Ele vai dar o tempo e o espaço necessário para que seja discutida a matéria. Não vamos nos esquecer que os excessos da reforma foram todos retirados pela Câmara, como a mudança no BPC (Benefício de Prestação Continuada), na aposentadoria rural, o prazo de transição, a idade mínima da mulher, dos professores, tudo isso, foi alterado e amenizado. O processo no Senado vai ser mais tranquilo .

Qual a sua avaliação em relação à retirada dos estados da reforma? Como fica essa questão da PEC paralela incluindo estados e municípios, que está sendo cogitada? Ela pode tramitar simultaneamente quando a reforma vier para o Senado?
Não há problema de essa PEC paralela tramitar em simultâneo com a reforma da Previdência. Isso vai depender do relator, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), de querer ou não aceitar a inclusão de estados e municípios na PEC principal. Eu acredito que ele não vá querer contaminar a reforma da Previdência no texto principal. Essa PEC paralela deve começar no Senado, como estão dizendo, até porque, a princípio, a Câmara não quer discutir isso no momento. Mas qualquer parlamentar pode apresentar uma PEC paralela. Eu advogo que a reforma da Previdência é tão necessária e tão urgente que não podemos contaminá-la com absolutamente nada. Se for retirar, colocar um outro texto, isso é papel do Senado. Não somos meros carimbadores, obviamente.

Isso quer dizer que o Senado ainda pode modificar a proposta?
Pode. Mas a mudança não vai atrasar a promulgação. Apenas a parte do texto que foi alterado volta para a Câmara. Eu não acredito que o que for aprovado (no Senado) terá mudanças substanciais que possam desidratar a reforma.

A senhora falou que o Senado não será um mero chancelador da reforma que será enviada pela Câmara. Existe algum risco de desidratação do impacto fiscal da proposta, hoje de R$ 933 bilhões, pelas contas do governo?
Não vejo. É aquilo que eu falei. Qualquer alteração vai ser pontual e não vai impedir a promulgação imediata do texto base. O que voltaria para a Câmara seriam apenas aqueles destaques modificados. Como há essa possibilidade de um outro instrumento que de uma outra PEC paralela , acho que se convence, até pelo bom senso, os parlamentares de deixarem qualquer discussão maior para a outra PEC. A inclusão dos estados nessa outra PEC é a questão mais polêmica.

Na sua avaliação, já existe um consenso na CCJ de que a reforma poderá ser aprovada ou ainda essa maioria precisará ser construída?
Acho que, no momento em que nós estamos, depois de todas as alterações que foram feitas, todos nós já sabemos o que pensamos sobre essa PEC, favorável ou contrário. Por isso, não acredito que um ou outro senador possa mudar a sua posição. A princípio, sabemos como a oposição vai agir, como a situação vai agir e os independentes, pelo perfil que eles têm. Hoje, não vejo dificuldade de a reforma ser aprovada na Câmara, na comissão, nem no plenário do Senado, mas tudo pode mudar. O Congresso está voltando aos trabalhos e a reforma ainda não chegou no Senado. Portanto, é prematuro fazer alguma aposta. A sensação que eu tenho, neste momento, é que está mais fácil de a reforma ser aprovada no Senado do que esteve na Câmara no passado.

Outra pauta prioritária, a reforma tributária está pulverizada. Tem no Senado, na Câmara,  os governadores querem enviar uma deles e ainda há a expectativa da proposta do Executivo, que deve ser entregue ao Senado…

Não me preocupo com a pulverização da reforma tributária. Acho até louvável no sentido de mostrar que estamos todos preocupados com a carga tributária e de ter o povo brasileiro nesse ranking inglório de ser um dos maiores pagadores de impostos do mundo. Isso prejudica o desenvolvimento, a geração de emprego e os investimentos no Brasil. Só o fato de terem tantas propostas discutidas ao mesmo tempo mostra que todos têm consciência de que, passando a reforma da Previdência, o tema prioritário passa a ser a reforma tributária. A minha experiência política mostra que não se faz reforma sem governo, principalmente, uma reforma tributária onde os dados, os números e as informações estão todos no Ministério da Economia. Por isso, o esqueleto da reforma vai vir do Executivo. E essas propostas paralelas vão servir como instrumentos para aperfeiçoar sugestões propositivas para o texto base do governo, ainda que alguém assine, seja um deputado, seja um senador, que apresente.

É possível que as propostas que estão no Congresso sejam apensadas à do Executivo? O ministro Paulo Guedes já falou que pretende encaminhar o texto ao Senado e, com isso, passaria pela CCJ.
Não sei se começará pelo Senado. Acho que deveria começar pela Câmara, uma vez que, além da análise da reforma da Previdência, temos algo que precisa começar pelo Senado, que é o Pacto Federativo. Mas não sei se o governo enviaria a reforma tributária pelo Senado. Até, por uma questão lógica, no mês de setembro, a reforma da Previdência será discutida na Casa. Eu apostaria que essa proposta entraria pela Câmara para começar a ser discutida também em setembro.

O governo tem sinalizado propor um imposto sobre movimentação financeira, ou seja, uma CPMF, com alíquota maior. A senhora acha que o Congresso aprovaria a volta desse imposto mesmo que seja com uma nova roupagem?
Não acredito. Acho que o governo tem que ter o pé no chão, de avançar paulatinamente sobre essa questão. Toda vez que se tentou fazer uma ampla reforma tributária, há mais de 20 anos, nunca se conseguiu, por vários aspectos. E o principal foi tentar incluir o ICMS na história sem um consenso. Se não houver apoio absoluto dos 26 estados e do Distrito Federal, a reforma tributária não avança. Agora, se houver um acordo e o governo aproveitar a proposta dos estados, ele pode até incluir o ICMS no texto do Executivo do imposto único de tributos federais. E, para isso, seria necessário um período de transição de 10 a 15 anos, além de ter o aval dos estados em relação à unificação e ao rateio. A maior parte dos senadores é das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Se os estados perderem, não tem senador para aprovar a proposta.

Como vê a decisão do presidente em indicar o filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, para chefiar a embaixada dos Estados Unidos? O fato de o presidente dos EUA, Donald Trump, elogiar a indicação pode ajudar na sabatina do Senado?
Eu discordo dessa indicação. Não mudei de opinião, apesar de achar que a fala do presidente Trump fortalece a indicação de Eduardo Bolsonaro e pode facilitar a aprovação. Eu acho que, nesse caso, duas coisas vão pesar na sabatina do Senado. A relação do presidente com o Congresso até a aprovação. Se ele ficar tentando jogar as redes sociais contra o Congresso, se falar muitas vezes, de velha política, pode ser um problema. E a  importância da indicação para a representação do país junto à maior potência mundial. Temos que mostrar que ele (Eduardo) vai ser muito mais cobrado do que qualquer outro, justamente por ser o filho do presidente. Ele vai ter que mostrar que tem notório saber para desempenhar o cargo e tem que mostrar essa capacidade. E, a partir daí, tudo pode acontecer. A escolha do embaixador é política, mas, antes de tudo, é preciso ser uma decisão técnica. E, pela legislação, Eduardo vai ter que mostrar para o Senado se ele atende ou não os pré-requisitos para desempenhar o cargo.

“A única agenda que eu acho que fica protegida, muito por conta do entendimento do Congresso da responsabilidade que ele tem para com o país, é a agenda econômica. É a única que está blindada.”

“Estamos falando de um presidente que, em vez de dar o exemplo, chega à beira do limite civilizatório do que se espera de um cidadão enquanto ser humano mesmo” 

Fonte: Correio Braziliense

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